Introdução
Neste episódio vamos continuar de onde paramos no episódio anterior e vamos ver como funciona um cartucho HiRom que tem save, e para isso utilizaremos o jogo Chrono Trigger como exemplo.
Faremos uma análise técnica detalhada do cartucho de Chrono Trigger do SNES. Abordaremos como é feito o mapeamento de memória e a conexão de hardware do cartucho, além de explicar como o cartucho seleciona a memória ROM ou a memória de save. Com um teor mais focado em programação e hardware, este vídeo é ideal para programadores e entusiastas de retro gaming que queiram entender melhor o funcionamento do cartucho do Chrono Trigger e por tabela, de todos os cartuchos HiRom do SNES.
Cartucho do Chrono Trigger
Agora vamos ver um exemplo um pouco mais complexo, que é um jogo HiRom que usa memória de Save. Como já vimos em episódios anteriores, os cartuchos HiRom podem colocar a Rom nas regiões mostradas na figura abaixo:
Vamos ver o exemplo do jogo Chrono Trigger, que mapeia a Rom na região c0-ff:0000-ffff, porém tem também uma memória de Save na região 20-3f:6000-7fff ou a0-bf:6000-7fff, como mostrado na imagem abaixo.
A Sram do jogo Chrono Trigger é de 8KB (0x2000 bytes), então ela é acessada mais frequentemente na região 20:6000-7fff, mas pode ser acessada de qualquer mirror nos bancos 20-3f e a0-bf.
Devido ao fato de termos agora uma memória de Save, o cartucho terá que verificar os endereços no barramento pra saber se deve colocar no barramento de dados o dado da Rom ou o dado da memória de Save.
No exemplo do episódio anterior, que era um cartucho HiRom sem save, o cartucho só precisava colocar no barramento de dados os dados da Rom quando o pino /ROMSEL ficava ativo (com valor 0). Então apenas com o /ROMSEL o cartucho já sabia se devia colocar no barramento de dados o dado da Rom ou não. Portanto neste cartucho HiRom com Sram, a conexão da Rom fica exatamente igual ao chip HiRom sem Sram que estudamos no episódio passado. Veremos mais detalhes a seguir.
Conexão da Rom
Neste cartucho HiRom com Sram que estamos estudando, o chip de Rom é conectado exatamente como no cartucho HiRom sem Sram que estudamos no episódio passado. A parte de Sram tem uma lógica separada.
Agora no exemplo do Chrono Trigger o cartucho terá que colocar no barramento de dados o dado da Rom quando necessário, e quando o endereço no barramento estiver na região da memória de Save, o cartucho terá que colocar no barramento de dados o dado da memória de Save. Então o cartucho terá que passar a monitorar de alguma forma as regiões 20-3f:6000-7fff e a0-bf:6000-7fff.
Barramento de dados
Em cartuchos com save o barramento de dados está conectado tanto no chip de Rom quanto na Sram. Mas eles nunca escreverão dados no barramento ao mesmo tempo, então não tem chance de conflito.
A figura abaixo mostra a região de Rom onde o /ROMSEL fica ativo (região vermelha), a região onde o Chrono Trigger colocar a Rom (bancos c0-ff), e a região onde o Chrono Trigger colocar a memória de Save (bancos 20-3f e a0-bf).
Vemos que a memória de Save está fora da região onde o /ROMSEL fica ativo, então o cartucho terá que monitorar os endereços no barramento para saber se deve colocar no barramento de dados o dado da Rom ou o dado da memória de Save.
Para esse monitoramento extra o cartucho tem que ter mais hardware, e geralmente são chips como o mostrado em vermelho na figura abaixo, que é uma imagem do próprio cartucho do Chrono Trigger.
A lógica de conexão do chip de Rom é basicamente a mesma coisa quando o cartucho tem Sram ou não. Abaixo temos a placa mostrada no episódio anterior, e vemos que a no cartucho do Chrono Trigger temos a mais o chip de Sram e esse chip Mad-1 que é o que detecta se o endereco no barramento está na região da memória de Save.
Vou explicar aqui uma forma simples, explicando este hardware de monitoramento usando um algoritmo simples feito em Python.
Neste exemplo que vou mostrar os pinos do chip de Rom são conectados da mesma forma que no exemplo anterior, onde os pinos /ROMSEL e /RD são conectados diretamente ao pino /CE e /OE do chip de Rom respectivamente, e os pinos A0 até A21 são conectados diretamente aos pinos A0 até A21 do chip de Rom. Os pinos de dados do barramento de dados são conectados diretamente aos pinos de dados do chip de Rom. Assim fica a mesma coisa que no exemplo anterior.
Isso não afeta a memória de Save pois a Sram está mepeada na região 20-3f:6000-7fff ou a0-bf:6000-7fff, e nestas regiões o pino /ROMSEL fica com valor 1, então o chip de Rom fica desligado, e o cartucho não precisa colocar nada no barramento de dados, portanto não tem como conflitar a Rom com a Sram.
Agora vem a questão de como funciona o monitoramento dos pinos de endereço pra sabermos se o endereço está na região da memória de Save ou não. Se estiver devemos ligar o chip de Sram para que ela coloque os dados no barramento de dados.
Abaixo temos uma imagem dos pinos de um chip de Sram de 8KB, que é o mesmo chip que o Chrono Trigger usa.
Como a memória tem 8KB, só precisamos de 13 bits pra endereçar todos os bytes da memória, então os pinos A0 até A12 são conectados diretamente aos pinos A0 até A12 do chip de Sram.
O pino /RD pode ser conectado direto no pino /OE da Sram, igual a conexão da Rom. A diferença é que no chip de Rom quem liga o chip é o /ROMSEL, e no chip de Sram quem liga o chip é o chip de monitoramento (chip com o retângulo vermelho na imagem acima) quando ele detecta que o endereço está na região da memória de Save. Até o momento temos o seguinte circuito:
Então neste chip de monitoramento, que na maioria dos cartuchos é um chip 74hc139 ou um MAD-1 (explicarei esses chips melhor em outros episódios), existe um pino de saída que é conectado diretamente no /CE da Sram. Quando o chip detectar que o endereço está no range 20-3f:6000-7fff ou a0-bf:6000-7fff, ele vai colocar 0 no pino de saída, e isso vai ligar o chip de Sram, e o chip de Sram vai colocar os dados no barramento de dados.
Agora vamos tentar encontrar uma forma que exija o mínimo de pinos possível e que consiga detectar a região 20-3f:6000-7fff ou a0-bf:6000-7fff. Abaixo temos os bits do endereço 0x206000 e do endereço 0x3f7fff, assim como os bits do endereço 0xa06000 e do endereço 0xbf7fff, que são os extremos de cada região.
Vemos que os únicos pinos que ficam iguais em todos os endereção são os pinos A13, A14, A15, A21 e A22. Então podemos usar estes pinos para detectar a região da memória de Save.
O pino A15 indica que o endereços está no range 0000-7fff, e os pinos A14 e A13 indicam que o endereço está no range 6000-7fff. Então se o pino A15 estiver com valor 0, e os pinos A14 e A13 estiverem com valor 1, então o endereço está na região da memória de Save.
Ok, mas só isso não basta, pois por exemplo o endereço 0x7e6000 também tem os pinos nesses valores mas não está na região do Save, e sim na Ram. Outro exemplo seria o endereço 0xd26000, que também tem os pinos nesses valores mas não está na região do Save, e sim na Rom.
Então até o momento sabemos detectar a região 0x6000-0x7fff, mas falta agora detectar os bancos 20-3f e a0-bf. Para isso vamos usar os pinos A22 e A21.
O pino A23 não precisa ser usado pois ele só serve pra detectar qual metade da memória está sendo acessada, como vimos anteriormente.
O pino A22 como vimos, divide a memória em quatro quadrantes. Porém os bancos desejados estão na metade da superior do primeiro e terceiro quadrantes.
Então com o A21 conseguimos dividir cada quadrante em dois, conseguindo assim a granularidade que queremos.
Com o A22 em 0 selecionamos o primeiro e terceiro quadrantes, que são os bancos 00-3f e 80-bf. Com o A21 em 1 selecionamos a metade superior do primeiro e terceiro quadrantes, que são os bancos 20-3f e a0-bf.
Então com esses pinos, A15, A14, A13, A22 e A21, conseguimos detectar a região da memória de Save.
O algoritmo em Python então fica assim:
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def detecta_save(A15, A14, A13, A22, A21):
if A15 == 0 and A14 == 1 and A13 == 1:
if A22 == 0 and A21 == 1:
return True
return False
if detecta_save(A15, A14, A13, A22, A21):
chip_output = 0 # A lógica é invertida, pois o pino */CE* é ativo baixo
else:
chip_output = 1
Outra opção válida seria usar o /ROMSEL no lugar do A15, pois o /ROMSEL também sempre vai ser 0 quando o endereço estiver na região da memória de Save. Essa forma é usada nos cartuchos que tem o chip MAD-1, mas isso é assunto pra um possível episódio futuro.
Veremos em episódios futuros como os chips usados nos cartuchos conseguem implementar essa lógica. O importante a saber é que é isso que está acontecendo no cartucho.
No final temos o circuito todo conectado desta forma:
Esse MUX da imagem é o chip que faz essa lógica de detectar a região da memória de Save. Ele é um chip 74hc139 ou um MAD-1 em quase todos os cartuchos.
Com isso o cartucho do Chrono Trigger que estamos usando como exemplo vai funcionar. E não tem como ocorrer conflito entre o chip de Rom e de Sram.
Conflito seria se de alguma forma acontecesse de o /CE dos dois chips ficarem com 0 ao mesmo tempo, o que faria com que os dois chips tentassem colocar dados no barramento de dados ao mesmo tempo, o que colocaria lixo no barramento de dados e poderia até causar um curto circuito dependendo do caso.
Conflito
Quando temos vários chips conectados em um barramento que podem colocar informações no barramento, apenas um pode escrever por vez. Já a leitura pode ser feita por vários chips a qualquer momento, pois isso não causa conflito.
No caso isso nunca aconteceria neste cartucho que criamos, pois pra Rom ligar o /ROMSEL tem que estar em 0, e pra Sram ligar o /ROMSEL tem que estar em 1, o que impediria os dois chips de ficarem com /CE em 0 ao mesmo tempo.
É isso por hoje. Até o próximo episódio.